sábado, 15 de agosto de 2015

História de um ser maligno


Eu seguia os passos dela pela cidade. Observava seus caminhos, suas condutas, seu histórico social. Eu não conseguia entender por que ela me atraía tanto. Eu simplesmente não conseguia me livrar desse pesadelo. Ela se torturava por coisas muito infantis. Mas eu não conseguia simplesmente ir embora e deixá-la para trás. Sempre que tentava, o destino nos unia novamente.

Comecei a me sentir responsável pelos seus atos. Comecei a tentar influenciá-la de alguma forma a fazer as coisas certas. Tentei ajudar como eu podia. Me apaixonei por ela de alguma forma. Ela não me via, era como se eu fosse transparente no seu mundo. Eu falava no ouvido dela: "faça isso", "faça aquilo". No início ela não me atendia e sempre se dava mal. Mas depois... quando estava no fundo do poço, algo nos conectou naturalmente e ela pôde me ouvir.


Ela tinha pais difíceis de lidar, uma batalha incessante na faculdade. Quando começou a me ouvir, se tornou mais eficaz. Aos poucos ela estava se dando melhor na vida. Percebi que a vida não era o que todos diziam, que a vida não é só questão de ética. Logo transmiti isso para ela também, que apesar de não me ver, me entendia muito bem. Ela se tornou mais egoísta, confesso, mas cresceu.

Muitos invejosos surgiram em sua vida para irritá-la, tentar derrubá-la. Isso fez com que crescesse um ódio terrível nela. Esse ódio me fortaleceu quando eu também fui capaz de senti-lo. Pela primeira vez, eu consegui me desconectar dela, mas apenas para me vingar de pessoas que tentavam atrapalhar. À essa altura eu nem sabia mais quem eu era, de onde eu vim, o que sou... Eu só queria saber de ajudar ela. E eu usava aquele ódio todo para consumir seus inimigos.

Desestabilizava suas emoções, era muito maldoso com os que a atacavam durante o dia a dia. Então percebi que existia algo que poderia me dar mais força. Descobri ao visitar lugares tenebrosos, a existência da magia negra. Logo fiz uso de minha influência para que ela conhecesse isso. Em menos de uma semana ela já estava pondo em prática. Ela era a mediante e eu o executor. Não demorou muito até nos conhecermos finalmente.


Minha aparência era diabólica e não mais humana como eu pensava que era. Ela conversou comigo tranquilamente e eu a mostrei tudo o que fiz por ela durante todo o tempo. Ela ficou muito grata e passamos a trabalhar juntos. A partir desse momento se tornamos altamente destrutivos. Ela conseguiu o emprego que sempre quis, conquistou o dinheiro que sempre desejou. E eu me alimentava do ódio que ela sentia. Era uma troca de favores.

Por muito tempo foi assim até eu conseguir influenciar com mais forças em suas decisões. Eu já não conseguia somente sugerir ações, como ordenar também. Eu podia usar isso para satisfazer os meus desejos, mas preferi utilizar para ajudá-la ainda mais. Eu a amava, não podia permitir que ela namorasse ou se casasse com ninguém. Então não deixava ela abrir brechas para relacionamentos.

E dessa forma passei a proibi-la de diversas coisas e de diversas formas. Eu a impedia de realizar algumas coisas que desejava para fazer as coisas que eu queria que ela fizesse. Logo se tornei o dono dela. Se tornamos mais afins, pois ela passou a praticar mais magia negra. Nos acoplamos intensamente pela primeira vez durante um ritual sinistro. Naquele momento nem eu mesmo podia controlar o que estava havendo. Eu percebi que tinha chegado no ápice da nossa relação, eu não somente podia tomar as decisões por ela como também podia agora, fazer as coisas por ela. Sim, eu a possuí e ela teve a sensação de estar mais forte.

Eu conseguia sentir o que ela sentia, ouvir o que ela ouvia, ver o que ela via, saber de tudo que ela sabia. Eu era ela, eu estava nela e aquele corpo agora pertencia a mim. Todo o ódio e toda a fúria que tínhamos construído juntos foi lançada para fora e eu não sabia controlar tudo isso. Comecei a quebrar as coisas e destruir os objetos ali presentes, então saí correndo pela rua sem rumo até chegar numa encruzilhada escura. Começamos a rir juntos e se gabar do nosso poder. Eu socava o chão, arranhava nossos braços e nenhum de nós sentia dor. Eu puxava nossos cabelos até arrancá-los e não doía.

Encontramos um cachorro, o matamos com nossas próprias mãos e tivemos a coragem de beber o seu sangue. Olhávamos para o céu, para a lua e rugíamos como se fôssemos lobos ferozes. Aquele ódio que nos fortaleceu esse tempo todo agora crescia sem parar e ficávamos mais valentes. Estávamos mais unidos do que nunca e prontos para fazer o mal a quem quer que fosse. Eu tinha certeza que não estávamos errados e que haviam muitos como eu na vida de muitas pessoas por aí fazendo a mesma coisa. Todos tinham esses ajudantes malignos que indicavam caminhos o tempo todo. Todos podiam um dia ter o mesmo destino, era só questão de tempo e de sabedoria destes seres malignos.


Enquanto passeávamos eu podia ver muitos dos meus semelhantes fazendo o mesmo processo de indução. Mas os tolos sempre buscavam satisfazer vícios insanos. Eu fui mais esperto, não me apeguei a isso, busquei o ápice. Eu consegui subir a montanha e dominar o tigre. Agora estou aqui com o meu prêmio. O amor acabou, restou somente o prazer. Ela não é mais minha amiga, é minha serva, enquanto viver.

Noctur Spectrus

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