quinta-feira, 9 de julho de 2015

Eu sobrevivi à guerra


Em meio as trevas, olhei para o além. Descobri nos altos da minha misericórdia, a dor sufocante que perdi na guerra. Um mar de sangue cobria a Terra. Os mortos fediam e os vivos sofriam pelo medo e devastação. Não era uma guerra civil pois ninguém mais era civilizado. Não havia mais esperança de que tudo voltasse ao normal. A ganância e a sede de poder fez com que todos entrassem em um conflito interminável.

Por muito tempo a humanidade acreditou nas antigas profecias apocalípticas e em um único momento no qual deixaram de acreditar, elas se tornaram realidade. Os humanos enterraram sua própria vida numa cova profunda. Eu observava e apesar de tudo, não estava surpreso com aquilo. Muitos cavavam o chão tentando se esconder. Muitos perfuravam a própria pele, cortavam os pulsos, se jogavam de edifícios altos. Tentavam se suicidar, mas sempre eram frustrados, nunca conseguiam morrer.


A morte por muito tempo tivera sido o que todos evitavam. Naqueles momentos obscuros e terríveis, a morte passou a ser a passagem mais desejada. Todos queriam deixar de existir para não sofrer pelos seus erros. Eu não me importava, eu achava o máximo. Eu sabia que não haveria mais salvação para mim nem para mais ninguém ali. Eu poderia assassinar quantas pessoas eu quisesse e o diabo não olharia para mim. Nunca seria um recruta das invenções infernais.

Eu podia ser o que quiser. Quanto mais eu alimentasse meu ódio e minha fúria, mais poder eu teria. A Terra estava desamparada e eu poderia ser o novo rei. Em um dado momento, os anjos caídos abandonariam a Terra e buscariam outro refúgio. Eu queria muito poder voar para o horizonte, mas minha alma estava presa naquele solo infértil. Era uma tarde cinzenta, a brasa das fogueiras queimava os meus pés. Voltamos aos antigos costumes... as metrópoles foram todas destruídas. Uma nova raça seria criada para substituir a raça pecadora.


A Terra seria reconstruída para que deixasse de ser aquele inferno. Queriam transformá-la em um paraíso. O digno da luz que falhara outrora tivesse vindo encarnado para alimentar o amor, um dia gostaria de sentar no trono e citar ordens quaisquer conforme sua vontade. Ele seria acompanhado de vinte e quatro anciões fervorosos, loucos para mostrar o que são capazes. E eu estaria ali, esperando cada um deles. O rebelde humilde sem nenhuma chance de superação, o dolorido corpo esfaqueado pelas mãos de um espírito enfurecido.

Estaria eu ali, sem temer. Se superei toda a desgraça sorrindo e sem desejar a morte o tempo todo, eu que sempre a respeitei... Por que iria abaixar a cabeça para senhores de outras dimensões? Eu não me importaria, não havia nada que tivessem inventado nem aqui nem nos céus que fosse capaz de me causar medo. Não temia nem o bem nem o mal. Não se importava com tortura ou mutilação. Minha vida depressiva, no fim das contas, me tornou a pessoa mais preparada do mundo.


Eles iriam ter que se esforçar para me destruir na mesma medida que me esforcei para sobreviver. Deixaram o corpo errado sobreviver durante a dança cósmica da destruição. Agora, entre anjos e demônios, eu poderia olhar para qualquer direção com determinação. Eu sabia, sim eu sabia, que aqueles portadores de cajados que se diziam benditos e portadores do amor e da paz, não eram diferentes de mim. Eles tinham desejos obscuros e destrutivos, mas diferente de mim, escondiam por trás de suas auras. Mas eu vejo o mal, eu sou o mal, eu vejo o bem, eu sou o bem. Eu sou um ser ousado que sobreviveu a ira divina, agora... enfrentem-me!

Noctur Spectrus

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